》Com tarifaço, UE e China correm em busca de novos mercados – Expresso Noticias
Vamos ao assunto:
Com as exportações para os Estados Unidos duramente prejudicadas pelas tarifas de Donald Trump, a China tenta diálogo com antigos rivais e mira entorno; Europa busca novas parcerias comerciais no Sul Global.
“Reduzir riscos, diversificar e redirecionar o comércio” – esse mantra, por muito tempo entoado no contexto do domínio crescente da China sobre o comércio global, tem sido agora aplicado aos Estados Unidos. As tarifas do presidente Donald Trump, que por ora totalizam impressionantes 145% sobre os produtos fabricados na China, provocaram turbulências nos mercados financeiros de Sydney a São Paulo.
A consultoria Capital Economics alertou na quinta-feira (10/04) que, se não houver um recuo de Trump, as exportações da China para os EUA cairão mais da metade nos próximos anos, reduzindo o crescimento econômico do país asiático em até 1,5%.
Pesa ainda contra a China, que rebateu à pressão de Trump subindo também suas tarifas sobre produtos americanos, o fato de o país ter boa parte de sua produção muito voltada para as especificidades do mercado americano, o que dificulta o redirecionamento dessas mercadorias para os consumidores chineses. Com isso em vista, o presidente chinês, Xi Jinping, prometeu aprofundar a “cooperação global”com seus vizinhos, no início da semana.
Entre esses potenciais novos parceiros comerciais estão países com os quais Pequim tem relações historicamente tensas, pontua Diana Choyleva, economista-chefe da Enodo Economics, empresa de pesquisa com foco na China sediada em Londres.
China, Japão e Coreia do Sul sentam à mesa
“A recente retomada dos diálogos econômicos de Pequim com o Japão – os primeiros em seis anos – e com a Coreia do Sul sugere que as potências regionais estão reavaliando suas relações em resposta à incerteza americana”, disse Choyleva à DW.
“Embora a Coreia do Sul tenha negado as alegações da mídia estatal chinesa de uma ‘resposta conjunta’ às tarifas, a mera renovação da cooperação econômica trilateral [envolvendo também o Japão] após anos de relações tensas sinaliza uma guinada estratégica.”
Xi deve buscar ainda estreitar laços no Sudeste Asiático, e já tem viagem marcada na próxima semana ao Vietnã, Malásia e Camboja.
Nas últimas duas décadas, a China aprofundou significativamente suas relações comerciais com a região. Em 2023, o volume total de comércio entre a China e os países do Sudeste Asiático atingiu aproximadamente 872 bilhões de dólares (cerca de R$ 5,1 trilhões), de acordo com dados do governo chinês. Esse número deve crescer ainda mais com a guerra comercial deflagrada por Trump, que efetivamente vai barrar as empresas chinesas de vender para os EUA.
“[Os fabricantes chineses] vão procurar nichos de oportunidade no Sudeste Asiático que, no passado, talvez não tenham explorado com tempo, esforço ou investimento, porque contavam com um mercado americano lucrativo que absorvia tudo o que produziam”, disse à DW Deborah Elms, diretora de política comercial da Hinrich Foundation, com sede em Singapura.
Ela acredita que pode haver uma “explosão inicial” de produtos de baixo preço da Ásia para o resto do mundo, uma vez que os produtores estão “sentados em uma montanha de mercadorias”.
“Mas eles não continuarão produzindo bens que não geram lucro, de modo que as empresas chinesas passarão rapidamente a fabricar outros produtos. Caso contrário, ficarão fora do mercado”, acredita.
Carga esperando para sair do porto de Shandong, na China | Li Ziheng/XinHua/dpa/ picture alliance
Europa também precisa diversificar comércio
Embora suspensa por 90 dias, uma tarifa de 20% está prevista sobre as exportações europeias para os EUA. Assim como a China tem procurado alternativas para escoar sua produção, a União Europeia tem mirado o Sul Global em sua busca por novos parceiros comerciais.
Durante uma visita de três dias ao Vietnã nesta semana, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sanchez, insistiu para que a Europa explorasse novos mercados e disse que seu governo estava “firmemente comprometido”com a abertura de seu país e da Europa para um maior comércio com o Sudeste Asiático.
Não será tarefa fácil achar compradores que ocupem o lugar deixado pelos americanos, pondera Varg Folkman, analista de políticas do think tank European Policy Centre (EPC).
Folkman destacou uma “grande resistência” entre os europeus a novos arranjos comerciais – com destaque à relutância da França em abrir seu setor agrícola para o Brasil e a Argentina no acordo comercial da UE com o Mercosul – que levou 25 anos para ser negociado e ainda não foi ratificado.
“Os acordos comerciais são controversos”, disse à DW. “Será potencialmente muito difícil implementar novos acordos, mesmo com a urgência que vemos hoje.”
Embora a UE e a China possam tentar impulsionar o comércio bilateral, economistas e formuladores de políticas vêem a rivalidade comercial entre ambos como mais um elemento da guerra comercial em curso.
Presidente chinês, Xi Jinping, e primeiro ministro espanhol, Pedro Sánchez, se encontram em Pequim para discutir novos arranjos comerciais após as tarifas de Trump | Andres Martinez Casares/EPA/ AP/ dpa/picture alliance
Excesso de oferta chinesa ameaça europeus
As tarifas dos EUA sobre a China “podem muito bem acabar gerando um desvio de produtos de exportação chineses para a União Europeia, o que colocará pressões adicionais sobre os produtores europeus e provavelmente aumentará os pedidos de uma resposta protecionista de Bruxelas”, afirmou, em comunicado, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), think tank com sede em Washington.
Há muito tempo a UE vem expressando sua preocupação com os grandes subsídios estatais concedidos aos produtores chineses, permitindo que eles “despejem” produtos artificialmente baratos nos mercados europeus. Mão de obra barata e enormes ganhos de escala também são fatores que pressionaram os concorrentes europeus, levando a falências e cortes significativos de empregos.
O caso dos veículos elétricos é o mais recente. Graças a subsídios do governo, isenções fiscais e empréstimos baratos, marcas chinesas como BYD, Nio e Xpeng chegaram com tudo do mercado da UE, forçando seus concorrentes locais a baixar os preços. Como consequência, o setor automotivo europeu atravessa uma grande reestruturação, com a ameaça de redução e fechamento de fábricas e a perda de dezenas de milhares de empregos, especialmente na Alemanha.
Enquanto Washington impôs uma tarifa de 100% sobre os veículos elétricos fabricados na China, o que na prática impede a venda de carros chineses aos EUA, a tarifa da UE difere de acordo com a montadora chinesa. A alíquota máxima é de 35,3% – no caso da BYD, 17%.
Alerta contra dumping
Jörg Wuttke, ex-diretor da gigante industrial alemã Basf na China, alertou sobre um “tsunami” de produtos chineses em direção à Europa, o que ele espera que não desencadeie novas barreiras comerciais por parte da UE.
Ele recomenda melhor “comunicação e confiança” entre Bruxelas e Pequim para evitar novas práticas de dumping – quando produtos são vendidos a um preço artificialmente baixo, às vezes até menor do que o custo de produção, para eliminar a concorrência e dominar um mercado consumidor.
Em 2023, a UE anunciou planos para uma força-tarefa de vigilância de importações para monitorar aumentos repentinos nas importações que poderiam ameaçar as indústrias europeias. O sistema de alerta precoce foi criado para ajudar o bloco a se livrar da China em meio a tensões geopolíticas e suspeitas de dumping.
Entretanto, há preocupações de que outros exportadores asiáticos, e também os EUA, descarreguem o excesso de mercadorias na UE a preços baixos. A força-tarefa poderia ajudar Bruxelas a responder muito mais rapidamente às ameaças, com investigações antidumping, tarifas e restrições temporárias às importações.
Bruxelas, no entanto, enfrentaria críticas por espelhar as políticas protecionistas de Trump. Isso representaria um distanciamento do apoio de longa data da UE ao livre comércio, um enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e um risco maior de escalada global das tensões comerciais.
Publicado originalmente pelo DW em 11/04/2025
Por Nik Martin
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