》Em entrevista ao The Washington Post, Moraes diz que ‘não recuará um milímetro’ – Expresso Noticias

Vamos ao assunto:

“Alexandre de Moraes diz que está preservando a democracia brasileira. A Casa Branca diz que ele a está destruindo”, pontuou o tradicional jornal americano


Em uma conversa rara e exclusiva com o jornal norte-americano The Washington Post, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, reafirmou sua postura inabalável diante das pressões internacionais e internas. “Não há a menor possibilidade de recuar um milímetro sequer”, declarou. “Faremos o que é certo: receberemos a acusação, analisaremos as provas, e quem deve ser condenado será condenado, e quem deve ser absolvido será absolvido.”

A declaração surge em meio a um cenário de tensões diplomáticas e políticas que extrapolam as fronteiras do Brasil. De um lado, Moraes se apresenta como defensor da democracia brasileira; de outro, a Casa Branca acusa o ministro de restringir liberdades fundamentais.

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Do futebol ao embate internacional

No dia da entrevista, Moraes se permitiu um instante de descontração. O Corinthians, seu time do coração, jogava na televisão. O ministro chegou a comentar que a partida não foi das melhores, mas serviu como alívio momentâneo diante das sanções impostas pelos Estados Unidos, das provocações do bilionário Elon Musk e das tarifas decretadas pelo ex-presidente Donald Trump contra o Brasil.

O descanso durou pouco. Seu celular logo vibrou com uma notificação urgente: Jair Bolsonaro, proibido por decisão judicial de acessar redes sociais, teria violado a determinação. Moraes não hesitou e determinou, sozinho, que o ex-presidente fosse colocado em prisão domiciliar. “O tribunal não permitirá que o réu faça papel de bobo”, registrou em sua decisão datada de 4 de agosto.

Esse episódio, relatado ao Post, exemplifica o estilo direto e assertivo que marcou a trajetória do ministro. Como jovem promotor, desafiou a prefeitura de São Paulo em um caso de corrupção. Já no STF, entrou em choque com Bolsonaro, Musk e agora enfrenta o próprio presidente dos Estados Unidos.

A reação dos EUA

A ofensiva de Trump contra Moraes e contra o Brasil foi descrita pelo ex-presidente norte-americano como resposta a uma “caça às bruxas” e à suposta violação da liberdade de expressão. Como retaliação, Washington aumentou tarifas sobre produtos brasileiros, cancelou o visto americano do ministro e, em uma medida considerada extrema, incluiu Moraes em uma lista de sanções do Departamento do Tesouro baseada na Lei Magnitsky, tradicionalmente reservada a casos de graves violações de direitos humanos.

Ainda assim, o magistrado garante que não se intimida. “Faremos o que é certo”, reiterou durante a entrevista de uma hora concedida em seu gabinete, em Brasília.

O “xerife da democracia”

Autorizado pelo Supremo a investigar ameaças digitais, físicas e verbais contra a ordem democrática, Moraes ganhou protagonismo no cenário político brasileiro e passou a ser descrito como uma espécie de “xerife da democracia”.

Seus atos têm repercussão mundial: determinou a suspensão de redes sociais, incluindo a X (antigo Twitter), o que lhe rendeu de Elon Musk o apelido de “Darth Vader do Brasil”; ordenou a prisão de políticos e ex-governadores; e afastou o então governador do Distrito Federal após os ataques golpistas de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram a capital.

Mais recentemente, ao decretar prisão domiciliar e restringir o acesso de Bolsonaro às redes, Moraes praticamente silenciou uma das vozes mais influentes da direita global.

Entre críticos e apoiadores, uma coisa é certa: Alexandre de Moraes se consolidou como uma das figuras mais poderosas e controversas do Brasil contemporâneo, sustentando uma postura que, como ele mesmo insiste, não dará um passo atrás.

Sanções dos EUA, provocações de Musk e embates com Bolsonaro colocam Moraes no centro da disputa entre democracia e poder / AP

A ascensão de Alexandre de Moraes

Para compreender como Alexandre de Moraes saiu de uma origem de classe média em São Paulo para se tornar o magistrado mais poderoso da história recente do Brasil, o The Washington Post conversou com 12 pessoas próximas a ele — entre amigos, colegas de profissão e autoridades — muitos sob anonimato por se tratar de tema sensível.

A maioria o descreveu como um jurista firme, cuja atuação linha-dura teria sido fundamental para resguardar a democracia brasileira em um período de fortes ameaças autoritárias. Outros, porém, enxergam nele um ministro que acumulou poder em excesso, colocando em risco a credibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Estou triste com a deterioração da instituição”, afirmou Marco Aurélio Mello, aposentado do STF em 2021 após mais de três décadas na Corte. “A história é implacável. Ela acerta as contas depois.”

Em sua sala forrada de livros, tomando café enquanto concedia entrevista, Moraes rejeitou as críticas. Disse que o Brasil havia sido contaminado pela “doença” da autocracia e que lhe cabia aplicar a “vacina”.
“Não há como recuarmos naquilo que precisamos fazer”, afirmou. “Digo isso com total tranquilidade.”

O início de um “momento extraordinário”

O ponto de virada na trajetória de Moraes dentro do STF ocorreu no início de 2019. Dias Toffoli, então presidente da Corte, ligou ao colega mais jovem com um pedido urgente. O país vivia sob a ascensão meteórica de Jair Bolsonaro, que havia trazido à cena política nacional um discurso de exaltação à ditadura militar e de ataques às instituições democráticas.

Seu filho, Eduardo Bolsonaro, chegou a questionar publicamente a força do Supremo, dizendo em 2018 que “bastavam dois soldados” para fechá-lo. Pouco depois, discursos semelhantes, acompanhados de desinformação e ameaças, se espalharam pelas redes sociais.

O tribunal, já alvo de protestos e cercado por insegurança, havia reforçado sua proteção com carros blindados e gás lacrimogêneo. Mas Toffoli considerava que era preciso mais: uma investigação sobre “fake news” e ameaças à democracia. E acreditava que Moraes, com sua experiência na aplicação da lei, era o único capaz de conduzi-la.

A decisão foi histórica. Pela primeira vez, o STF abriu um inquérito por iniciativa própria, sem provocação externa, rompendo com precedentes institucionais. Por 10 votos a 1, os ministros autorizaram a abertura da apuração. O único a divergir foi Marco Aurélio Mello, que até hoje considera a medida um erro.

“Estávamos completamente desprotegidos; foi um momento extraordinário”, disse ao Post um alto funcionário do Judiciário. “Se o tribunal não tivesse um instrumento para se defender — se dependesse apenas da polícia ou do Ministério Público — estava frito.”

A construção de um poder sem precedentes

O Supremo Tribunal Federal em Brasília, visto ao fundo. (Adriano Machado/Reuters)
Do futebol à tensão global, ministro revela como lida com pressões e mantém decisões que ecoam dentro e fora do Brasil / Reuters

Com a investigação em mãos, Moraes passou a utilizar todas as ferramentas que a Constituição brasileira colocava à sua disposição. Diferente da Suprema Corte dos Estados Unidos, o STF não apenas julga, mas também pode investigar diretamente e conta com a estrutura da Polícia Federal para apoiar seus trabalhos. Além disso, a legislação brasileira permite uma definição mais restritiva da liberdade de expressão, oferecendo brechas legais para conter campanhas de desinformação que ameaçassem o Estado democrático.

“Entendo que, para uma cultura americana, seja mais difícil compreender a fragilidade da democracia porque nunca houve um golpe lá”, explicou Moraes. “Mas o Brasil teve anos de ditadura sob Getúlio Vargas, outros 20 anos de ditadura militar e inúmeras tentativas de golpe. Quando você é muito mais atacado por uma doença, forma anticorpos mais fortes e busca uma vacina preventiva.”

Logo no primeiro mês, ele determinou a desativação de dezenas de contas de redes sociais ligadas a apoiadores do bolsonarismo. Pouco depois, autorizou operações policiais contra blogueiros, políticos e influenciadores digitais acusados de disseminar mentiras e incitar violência contra o Supremo. Um deputado federal chegou a ser preso por fazer apologia ao regime militar. Até ministros de Estado de Bolsonaro foram investigados.

À medida que novos casos surgiam, todos eram agrupados sob a relatoria de Moraes. O resultado foi um aumento exponencial de seu poder: ele passou a centralizar praticamente todos os processos relacionados a ataques à ordem democrática e, mais tarde, chegou à presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável por julgar irregularidades em campanhas e até cassar mandatos.

O protagonismo de Moraes provocou reações ambivalentes. Muitos viram nele o escudo necessário contra o avanço do autoritarismo no Brasil. Outros passaram a temer o alcance quase ilimitado de sua autoridade.

“A investigação deveria ter sido limitada em tempo e escopo”, disse um alto funcionário do Judiciário ao Post. “Mas nunca terminou, e ninguém mais o questiona.”

De contestado a reverenciado, Alexandre de Moraes tornou-se, em poucos anos, um personagem central da democracia brasileira. De juiz, virou figura pública. De figura pública, passou a ser símbolo de resistência para uns — e de autoritarismo para outros.

O Brasil já conhecia seu nome. Agora, o mundo também.

Impulsionando a ambição

Para os que acompanharam de perto a trajetória de Alexandre de Moraes, sua forma de exercer poder não é surpresa. Desde jovem, descrevem-no como inflexível, combativo e disposto a se impor em qualquer disputa.

Um ex-promotor de São Paulo, que lhe ofereceu o primeiro estágio como escrivão, recorda que Moraes sempre parecia movido pela necessidade de provar algo. Filho de um pequeno empresário e de uma professora, não tinha um sobrenome tradicional que o abrisse portas. Ainda assim, aos 20 e poucos anos, conquistou o primeiro lugar em um dos concursos mais difíceis do Ministério Público, superando candidatos mais experientes e com maior respaldo financeiro.

Moraes, no centro, preside o início do julgamento de Bolsonaro em 22 de junho de 2023. (Anadolu/Anadolu Agency/Getty Images)
Em entrevista rara, ministro do STF fala ao Washington Post sobre ataques internacionais e reafirma compromisso com a justiça / Anadolu

“Ele tem uma capacidade de trabalho incrível”, disse o antigo mentor. “Ele trabalha todo fim de semana.”

A carreira como promotor parecia promissora, e ganhou notoriedade em 1997, quando comandou a investigação do chamado “chicken-gate”, um escândalo de corrupção que expôs supostas propinas em contratos de compra de carne de frango pela Prefeitura de São Paulo. O caso o projetou nacionalmente, mas não satisfez sua ambição. Em 2002, Moraes deixou o Ministério Público para assumir o cargo de Secretário de Justiça do Estado de São Paulo.

“Nós dois viemos da classe média; nunca fomos ricos”, lembrou um amigo de longa data. “Quando ele saiu de um emprego estável por um cargo político que poderia durar pouco, fiquei chocado. Ele disse que precisava arriscar.”
Outro amigo resume: “Ele sempre quis estar na Suprema Corte.”

O embate com Bolsonaro

Uma vez no Supremo, Moraes dedicou-se à defesa das instituições democráticas. Esse compromisso o colocou em rota de colisão com Jair Bolsonaro.

Em 2021, quando o então presidente começou a questionar o sistema eleitoral brasileiro em meio à campanha pela reeleição contra Luiz Inácio Lula da Silva, Moraes determinou a abertura de uma investigação contra ele.

A tensão atingiu o ápice após a derrota de Bolsonaro em 2022. No início de 2023, milhares de apoiadores inconformados invadiram prédios dos Três Poderes em Brasília, num episódio que lembrou a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021. Moraes foi a figura central na condução dos processos que resultaram na inelegibilidade de Bolsonaro.

Mais tarde, assumiu a frente da apuração que acusa o ex-presidente de conspirar para permanecer no poder por meio da força militar, inclusive com supostos planos de assassinato contra Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio Moraes. O ministro ouviu testemunhas e participou das decisões que autorizaram denúncias criminais que podem levar Bolsonaro a décadas de prisão.

Desde que entrou em prisão domiciliar, Bolsonaro não deu entrevistas. Ele nega as acusações e afirma ser alvo de perseguição política. Moraes, por sua vez, rebate:
“Este é um processo legal. Cento e setenta e nove testemunhas já foram ouvidas.”

Choque com Musk e Trump

Com o avanço das investigações e a intensificação da resistência virtual, Moraes passou a enfrentar também adversários no exterior.

O primeiro embate ocorreu com Elon Musk, quando o empresário se recusou a atender ordens judiciais para retirar contas do X (antigo Twitter) acusadas de incitar ataques à democracia brasileira. Em fevereiro, o ministro determinou ainda a suspensão do Rumble, plataforma popular entre conservadores e ligada à Truth Social, de Donald Trump, após descumprimento de ordens de remoção de conteúdo.

Essas decisões projetaram Moraes para o cenário internacional e atraíram a atenção direta de Trump. A empresa de mídia do ex-presidente entrou com um processo contra o ministro em um tribunal federal da Flórida, acusando-o de censura e de suprimir a liberdade de expressão de cidadãos norte-americanos.

“Este homem está fora de controle”, declarou Martin De Luca, advogado-chefe do Rumble e da Trump Media, no processo.

O contra-ataque de Moraes

Confrontado sobre a acusação de concentrar poder em excesso, Moraes foi categórico. Disse que suas decisões não são atos isolados, mas submetidas à revisão da própria Corte.

“Meus colegas do Supremo já analisaram mais de 700 decisões minhas em recursos”, afirmou. “Você sabe quantos eu perdi? Nenhum.”

Entre aplausos e críticas, Moraes continua a se firmar como o personagem central do maior embate político e jurídico da história recente do Brasil — e agora, com reflexos cada vez mais nítidos no cenário global.

“A investigação continuará”

Para Washington, Alexandre de Moraes se transformou em um vilão global. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, o classificou como “juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal”. Já Christopher Landau, vice-secretário de Estado, foi ainda mais duro: “o rosto mundial da censura judicial”.

As críticas, porém, parecem não abalar o ministro. Do lado de fora de seus aposentos, em uma parede de madeira simples, pendem apenas três documentos emoldurados: a Declaração de Independência, a Declaração de Direitos e o preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos.

Moraes diz que sua inspiração vem justamente da história constitucional norte-americana. Menciona os escritos de John Jay, Thomas Jefferson e James Madison como referências. “Todo constitucionalista tem uma grande admiração pelos Estados Unidos”, afirmou.

Ele insiste que Brasil e EUA são nações amigas e que o distanciamento recente é fruto de circunstâncias políticas e da desinformação que se espalhou pelas redes. Entre os responsáveis por essa deterioração, cita o deputado Eduardo Bolsonaro, a quem acusa de promover uma campanha diplomática contra ele em Washington, financiada por seu pai, o ex-presidente. Eduardo, que já chamou Moraes de “bandido de toga”, não respondeu aos pedidos de comentário do Post.

“Essas narrativas falsas acabaram envenenando o relacionamento — narrativas falsas sustentadas pela desinformação disseminada por essas pessoas nas redes sociais”, disse Moraes. “Então, o que precisamos fazer, e o que o Brasil está fazendo, é esclarecer as coisas.”

Na entrevista, o ministro não escondeu que as consequências pessoais de seu papel na defesa das instituições são pesadas. Reconheceu a perda de liberdades individuais, o acúmulo de inimigos e até as restrições de viagem impostas contra ele.

“É agradável passar por isso? Claro que não é agradável”, admitiu.

Mas rapidamente voltou ao tom resoluto que se tornou sua marca. Disse que, diante de forças poderosas que desejam corroer a democracia, recuar nunca será uma opção.

“Enquanto houver necessidade”, afirmou, “a investigação continuará.”

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