》Queda da esquerda leva Bolívia a disputa inédita nas urnas – Expresso Noticias

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Pela primeira vez desde 2009, a Bolívia terá segundo turno presidencial, após colapso da esquerda e queda histórica do MAS nas eleições


A Bolívia viverá um momento inédito em sua história política recente. Pela primeira vez desde a criação do sistema de segundo turno, em 2009, os eleitores terão que voltar às urnas para escolher o próximo presidente do país. O pleito, realizado neste domingo (17), foi marcado pela crise econômica, pelo enfraquecimento da esquerda e pelo fim de um ciclo de quase duas décadas de hegemonia do Movimento ao Socialismo (MAS), partido fundado pelo ex-presidente Evo Morales.

No próximo dia 19 de outubro, o senador Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão, enfrentará o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, da Aliança Livre. Ambos foram os mais votados nesta eleição, mas não alcançaram os percentuais necessários para vencer no primeiro turno.

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Segundo os resultados preliminares divulgados pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), com mais de 90% das urnas apuradas, Paz conquistou 1.561.000 votos, o equivalente a 32,08%. Quiroga ficou em segundo lugar, com 1.311.000 votos (26,94%).

Na sequência, apareceram o empresário Samuel Doria Medina, que liderava algumas pesquisas e acabou com 19,93%, e o senador Andrónico Rodríguez, principal nome da esquerda nesta disputa, que obteve apenas 8,15%. O MAS, que durante anos foi a força dominante do cenário político boliviano, teve um desempenho considerado desastroso: ficou em sexto lugar, com apenas 3,14% dos votos.

A participação popular foi expressiva: 78,55% dos 7,5 milhões de eleitores cadastrados compareceram às urnas, segundo informou o TSE.

Um duelo de perfis distintos

Rodrigo Paz se apresenta como representante de uma nova geração política, com um discurso de centro e promessa de renovação. Seu adversário, Jorge Quiroga, traz o peso da experiência: foi presidente interino entre 2001 e 2002 e é identificado com a direita conservadora, mais ligada a setores tradicionais da política e da economia.

O embate entre os dois, no entanto, vai muito além de uma disputa pessoal. Ele simboliza a mudança mais profunda do cenário político boliviano em quase 20 anos. Desde a vitória de Evo Morales em 2005, o país vinha sendo governado por presidentes ligados ao MAS, que consolidou uma base popular ampla, sobretudo entre os setores indígenas e trabalhadores. Desta vez, porém, a legenda chega fragilizada e dividida, incapaz de manter a liderança eleitoral.

As regras do jogo e a novidade histórica

A Constituição boliviana define que um candidato pode vencer no primeiro turno se conquistar mais de 50% dos votos válidos ou, alternativamente, ao obter pelo menos 40% com uma vantagem de dez pontos percentuais sobre o segundo colocado. Como nenhum dos postulantes atingiu esse patamar, o segundo turno tornou-se inevitável.

Desde que esse mecanismo foi introduzido em 2009, todas as eleições anteriores haviam sido decididas já na primeira rodada, com vitórias confortáveis da esquerda ligada ao MAS. O resultado de domingo quebra esse padrão e abre espaço para uma guinada histórica no país.

O declínio da força de Evo Morales

A derrota do MAS é considerada um marco simbólico. A sigla, que durante anos foi protagonista da política boliviana, agora amarga uma posição irrelevante no cenário eleitoral. Dividido internamente e sem a mesma capacidade de mobilização, o partido não conseguiu se consolidar como alternativa viável nesta disputa.

O desempenho aquém do esperado reforça a percepção de que o ciclo iniciado em 2005 com Evo Morales chegou ao fim. O que se desenha, a partir de agora, é um novo capítulo político para a Bolívia, em que as forças de centro e de direita terão protagonismo inédito.

O que está em jogo

Com a disputa aberta entre Paz e Quiroga, os próximos dois meses prometem ser intensos. Ambos terão de buscar alianças, principalmente entre os eleitores de Doria Medina e Rodríguez, para garantir a vitória em outubro. O futuro presidente, seja qual for, terá o desafio de lidar com uma economia fragilizada, com altos índices de insatisfação popular e com a necessidade de reconstruir a confiança em um sistema político marcado por polarizações e rupturas.

Independentemente do vencedor, a eleição de 2025 já entrou para a história da Bolívia: ela marca o fim da supremacia da esquerda e inaugura uma nova etapa de incertezas e possibilidades para o país andino.

O desafio do dia seguinte

Independentemente de quem saia vitorioso no segundo turno em 19 de outubro, o próximo presidente boliviano terá diante de si um país em frangalhos, tanto no campo econômico quanto no político. A sociedade boliviana expressou nas urnas não apenas a rejeição ao MAS, mas também um desejo claro por mudanças estruturais. O elevado índice de votos nulos, somado à baixa performance dos candidatos de esquerda, evidencia o desencanto de uma parcela significativa da população com o rumo da política nacional.

Rodrigo Paz e Jorge Quiroga, cada um à sua maneira, precisarão dialogar com esse eleitorado descrente. Paz aposta na ideia de renovação e em um discurso mais pragmático, que tenta se afastar do radicalismo. Já Quiroga, com sua experiência e retórica mais dura contra o MAS, enfrenta o desafio de se mostrar capaz de governar para além dos setores conservadores que lhe dão sustentação.

As alianças em jogo

O segundo turno deve ser marcado por uma intensa disputa por apoios. Tanto Paz quanto Quiroga terão de buscar acordos com os candidatos derrotados no primeiro turno e suas bases eleitorais. Samuel Doria Medina, por exemplo, com seus quase 20% dos votos, emerge como peça-chave para a definição do resultado. Andrónico Rodríguez, embora com desempenho modesto, também pode influenciar ao direcionar os votos que ainda permanecem leais ao projeto político do MAS.

No entanto, a fragmentação da esquerda e a convocação de Evo Morales pelo voto nulo deixam dúvidas sobre a real capacidade desses setores de se consolidarem como força de barganha no segundo turno.

Um país em encruzilhada

A Bolívia chega a esta eleição em um momento de profunda incerteza. A crise econômica corrói a estabilidade social, provoca protestos e expõe a fragilidade das instituições. Com uma inflação alta, desabastecimento de combustíveis e dificuldades de acesso a divisas estrangeiras, o próximo governo terá de adotar medidas duras e, ao mesmo tempo, encontrar respaldo político em um Congresso fragmentado.

Ao mesmo tempo, a queda do MAS abre espaço para uma reconfiguração completa do tabuleiro político. Pela primeira vez em quase duas décadas, a Bolívia se prepara para ser governada por um projeto não alinhado à esquerda. Isso pode redefinir não apenas as prioridades domésticas, mas também a política externa do país, que durante anos esteve atrelada ao discurso anti-imperialista e à aproximação com governos progressistas da região.

O simbolismo da virada

O segundo turno entre Paz e Quiroga carrega, portanto, um peso histórico. Mais do que a escolha entre dois candidatos, ele simboliza o encerramento de um ciclo que começou com a ascensão de Evo Morales em 2005 e que se manteve vivo por quase 20 anos. O resultado do pleito será determinante para indicar se a Bolívia ingressará em um caminho de renovação moderada ou se optará por uma guinada mais conservadora, com impactos profundos na vida política e social do país.

O que está em jogo em outubro não é apenas o futuro imediato da Bolívia, mas a redefinição de sua identidade política após duas décadas de domínio da esquerda. O país vive, assim, a expectativa de um novo capítulo de sua história, carregado de desafios, incertezas e a promessa de mudança.

Com informações de BBC*

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