》Sindicatos viram as costas para os democratas e buscam Trump – Expresso Noticias

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Trabalhadores antes fiéis aos democratas agora buscam em Trump respostas para frustrações antigas, segundo o The New York Times


Antes mesmo de Donald Trump consolidar sua vitória nas eleições de novembro passado com o apoio de uma parcela significativa da classe trabalhadora, líderes de grandes sindicatos norte-americanos já batiam alerta dentro do Partido Democrata: os trabalhadores estavam insatisfeitos, e a base eleitoral histórica do partido corria o risco de se desfazer. Nos meses seguintes, esses avisos ganharam contornos ainda mais urgentes, transformando-se em um chamado claro: se os democratas não recuperarem o terreno perdido junto aos operários, caminhoneiros, garçons e outros profissionais sindicalizados, o caminho para a Casa Branca ficará mais estreito a cada ciclo eleitoral.

O raciocínio dos sindicalistas é direto. Apesar das promessas de campanha dos democratas em defesa dos trabalhadores e do apelo que Trump conseguiu construir junto a esse grupo, os principais dirigentes sindicais não enxergam no republicano um aliado genuíno. Muito pelo contrário: sua principal lei política, que prioriza benefícios fiscais para os mais ricos, é vista como um contraponto direto aos interesses da classe operária. Ainda assim, o fato é inegável — milhares de trabalhadores que antes votavam em candidatos democratas migraram para o campo de Trump, e essa virada não foi casual.

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A mudança de cenário revela uma tendência crescente nas últimas eleições: os democratas têm conquistado apoio em áreas urbanas, ricas e predominantemente brancas, enquanto os republicanos ganham força em regiões operárias e entre eleitores negros e hispânicos. Essa realidade coloca em xeque décadas de identidade partidária, já que os democratas sempre se apresentaram como defensores naturais dos trabalhadores. Agora, enfrentam a dura tarefa de reconquistar quem se sentiu esquecido.

Jimmy Williams, presidente do Sindicato Internacional de Pintores e Ofícios Afins, resume o sentimento de muitos colegas: “Sempre que falamos de política, a primeira coisa que nos vem à mente é: ‘Os democratas nos decepcionaram’.” Seus 140 mil membros, conta ele, dividiram-se quase igualmente entre Kamala Harris e Trump. “Perguntei aos líderes democratas como planejam reconquistar nossos filiados, mas não ouvi uma mensagem coerente que me fizesse sentir confiante de que eles realmente entendem a dor que os trabalhadores estão sentindo”, critica.

Entre a lealdade partidária e a pressão da base

A situação coloca os líderes sindicais em uma posição delicada. Enquanto historicamente apoiaram candidatos democratas — inclusive Harris, apesar do ceticismo de boa parte de seus membros —, agora precisam equilibrar esse apoio sem alienar quem optou por Trump. O dilema é semelhante ao que o próprio Partido Democrata enfrenta: como reconectar-se com eleitores que se sentem ignorados?

Alguns sindicatos têm adotado abordagens mais contundentes. Outros optam por pressionar internamente o Comitê Nacional Democrata (DNC) a melhorar sua comunicação com a classe trabalhadora. Dois dirigentes sindicais, inclusive, deixaram seus cargos no DNC em junho deste ano, alegando que a instituição havia se tornado excessivamente fechada e desconectada da realidade de quem luta para pagar as contas.

Há, também, quem defenda que o partido apoie candidatos que não venham de famílias ricas ou com trajetórias elitizadas. “Se os candidatos são todos advogados, desenvolvedores e gerentes, talvez isso seja parte do problema”, observa Ted Pappageorge, secretário-tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores da Culinária de Las Vegas, que reúne 60 mil membros. Ele já alertou repetidamente que, se os democratas não promoverem perfis mais próximos do cotidiano operário, o sindicato não hesitará em apoiar independentes, republicanos ou até lançar seus próprios representantes.

Na prática, isso já está acontecendo. Em Nevada, o sindicato retirou seu apoio a mais de uma dúzia de candidatos democratas após votos considerados prejudiciais aos trabalhadores, como o fim da limpeza diária obrigatória de quartos de hotel — uma medida de segurança implementada na pandemia e revogada em 2023. Além disso, lançou dois filiados nas primárias legislativas: uma enfermeira que não conseguiu derrotar um democrata em exercício e um garçom que, ao contrário, venceu um candidato apoiado pela cúpula partidária.

Estratégias para reconectar: da TikTok às ruas

Para reconquistar a confiança dos trabalhadores, muitos sindicatos estão reinventando suas estratégias de engajamento. Lee Saunders, líder da Federação Americana de Funcionários Estaduais, Distritais e Municipais (AFSCME), conta que sua entidade, com 1,1 milhão de membros, realizou mais de 70 assembleias presenciais e virtuais nos últimos meses. Além disso, passou a usar podcasts, influenciadores digitais e até filtros do TikTok para aproximar políticas trabalhistas do dia a dia dos filiados.

“Os membros estão irritados tanto com os republicanos quanto com os democratas, e precisamos ouvi-los”, afirma Saunders. “Claramente, eles não querem que a gente chegue dizendo que todos os democratas são bons e todos os republicanos são ruins.”

O sindicato de Jimmy Williams, por sua vez, lançou a campanha “Construindo o Poder Sindical”, que viaja pelo país para educar trabalhadores sobre a história do movimento operário e as conquistas alcançadas por meio da organização coletiva. “Muitas pessoas só recebem notícias do sindicato perto da eleição”, explica Williams. “Se tiveram uma experiência negativa ou se sentiram ignoradas, vamos ouvi-las e trabalhar para corrigir a situação.”

Já em Las Vegas, a estratégia segue um caminho mais tradicional, porém eficaz: militância de porta em porta. A chamada “Máquina Reid”, operação política historicamente ligada ao senador Harry Reid, conta com uma legião de cozinheiros e garçons sindicalizados que saem às ruas para conversar diretamente com eleitores. Apesar disso, o desgaste com os democratas locais tem crescido, especialmente após decisões como a revogação da limpeza diária de hotéis.

Trump e a ilusão da aproximação

Apesar da desconfiança dos líderes sindicais, Trump conseguiu conquistar parte da classe trabalhadora com propostas específicas, como a isenção fiscal sobre gorjetas — medida temporária já sancionada — e a indicação de figuras populares junto a setores como o dos caminhoneiros para cargos-chave. No entanto, para os sindicalistas, essas medidas mascaram uma realidade mais dura: cortes em programas sociais essenciais, como o Medicaid e o auxílio alimentação, além da redução de proteções trabalhistas para funcionários federais.

“Trump continuou dizendo aos trabalhadores que se importava com eles. Isso foi uma fraude, mas infelizmente as pessoas acreditaram nele”, avalia Stuart Appelbaum, líder do Sindicato do Varejo, Atacado e Lojas de Departamento.

A Casa Branca, por sua vez, minimiza os impactos dessas medidas. Taylor Rogers, porta-voz do governo, argumenta que Trump “obteve resultados históricos”, incluindo aumento de salários, benefícios fiscais para famílias trabalhadoras e recuperação de empregos na indústria nacional. Para os sindicalistas, porém, essa narrativa não reflete o que acontece no chão do país.

O caminho para frente: além das promessas

Apesar do apoio temporário aos democratas durante o governo Biden-Harris, líderes sindicais reconhecem que a conexão com a classe trabalhadora permanece frágil. Randi Weingarten, presidente da Federação Americana de Professores, com 1,3 milhão de membros, ressalta que, embora políticas positivas tenham sido aprovadas, a mensagem pró-trabalhador “não foi ouvida”. “E se não for ouvida”, completa, “é como se não acontecesse.”

A lição é clara: promessas eleitorais não bastam. É preciso diálogo constante, presença nos locais de trabalho e candidatos que reflitam a realidade dos trabalhadores. Como diz Dan Osborn, ex-candidato ao Senado por Nebraska e ex-presidente de um sindicato de processamento de alimentos: “Eles precisam ir até os locais de trabalho, não apenas enviar algo para as casas e esperar que leiam e entendam.”

Para os sindicalistas, o momento é de reconexão urgente. Se os democratas não souberem ouvir e agir, o risco é que a migração da classe trabalhadora para o campo republicano se torne irreversível — e, com ela, o fim de uma era na política norte-americana. Afinal, como bem lembra Williams, “a confiança não se reconquista com discursos. Reconquista-se com ações que chegam até quem está na linha de frente todos os dias”.

Com informações de The New York Times*

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