》Tarifa americana provoca reação em cadeia na carne brasileira – Expresso Noticias
Vamos ao assunto:
A sobretaxa americana derruba preços, trava contratos e obriga frigoríficos a redirecionar volumes para novos mercados estratégicos
O anúncio da sobretaxa de 50% dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros trouxe impactos diretos ao setor de carnes do país. A medida, divulgada pelo presidente Donald Trump no dia 9 de julho, gerou uma reação em cadeia nos mercados interno e internacional, derrubando os preços da arroba do boi gordo e da carne bovina no atacado. Embora não haja, de fato, um excesso de oferta no mercado nacional, a pressão dos importadores americanos — que reduziram drasticamente os preços oferecidos pelas carnes brasileiras — tem feito com que frigoríficos e pecuaristas ajustem suas estratégias de venda.
Segundo dados da consultoria Agrifatto, o preço da carcaça casada bovina no atacado em São Paulo, corrigido pelo IGP-DI, caiu de R$ 21,03 por quilo no início do mês para R$ 19,50 na última quarta-feira (24), acumulando uma redução de 5,01% desde o anúncio da tarifa. O indicador do boi da Datagro Pecuária também sentiu o impacto: a arroba passou de R$ 313,12 para R$ 295,18 no mesmo período, uma queda de 4,16%.
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Uma fonte de uma empresa exportadora, que preferiu não se identificar, revelou que poucos dias após o anúncio de Trump, os compradores norte-americanos solicitaram a suspensão da produção de carne destinada aos EUA, devido à instabilidade causada pela nova taxa. Caso a sobretaxa entre em vigor a partir de 1º de agosto, contratos já firmados devem ser cancelados. No entanto, mesmo com essa perda momentânea, não há previsão de demissões imediatas nas frigoríficas. A estratégia tem sido buscar novos destinos para os cortes que seriam enviados aos Estados Unidos.
“O Egito, por exemplo, pagava US$ 4.850 por tonelada de dianteiro bovino e agora está pagando US$ 4.500”, disse a fonte, destacando que os preços estão menores, mas ainda são viáveis para manter parte do volume exportado. A ideia é não deixar que o mercado interno seja sobrecarregado com produtos que perderam espaço no exterior.
A tendência, segundo especialistas, é que a carne continue pressionada nos próximos meses. A diretora da Agrifatto, Lygia Pimentel, afirma que o curto prazo será de desaquecimento dos preços no atacado. Já Thiago Carvalho, pesquisador do Cepea, aponta que o cenário já vinha desfavorável para o setor, com o início das férias escolares, aumento da inadimplência e maior oferta de bovinos provenientes do chamado “primeiro giro de confinamento”.
Mesmo assim, o mercado parece estar se adaptando. Supermercadistas e redes de atacarejo reconhecem que há espaço para redirecionar parte da carne que seria enviada aos EUA, mas acreditam que esse impacto nos preços será limitado. Isso porque os frigoríficos já estavam ajustando suas estratégias de exportação desde abril, quando os EUA aplicaram uma taxa adicional de 10% sobre produtos brasileiros, elevando a tarifa total para cerca de 36,4%.
Três grandes redes de varejo relataram, em conversas recentes com executivos da Friboi e da Marfrig, que já há negociações em andamento para enviar carne destinada aos EUA para países como China, Indonésia, Egito e México. Mesmo assim, as marcas não têm anunciado reajustes nas tabelas de preços para o mercado interno — ao menos por enquanto.
“É difícil redistribuir de uma só vez o volume que iria para os EUA. Mesmo que seja uma fatia pequena para uma empresa como a Friboi, para o mercado como um todo, o impacto é significativo”, avaliou o presidente de uma grande rede de atacarejo. Ele ressalta que os frigoríficos precisam equilibrar preço e volume, o que pode acabar resultando em parte da carne sendo direcionada ao mercado interno.
De janeiro a junho, a carne já havia registrado uma leve queda de 0,65% no IPCA/IBGE. Com a nova tarifa, esse movimento tende a se acentuar nos próximos meses.
Um segundo executivo, CEO de uma rede que participou de reuniões com a diretoria da Friboi e da Marfrig, afirmou que a expectativa era dobrar o volume exportado aos EUA neste ano. “Eles exportam muito do dianteiro do boi, que vira hambúrguer. Esse tipo de corte é difícil de vender para outros mercados, então parte acabará ficando aqui no Brasil se a tarifa continuar”, disse.
Procuradas pela reportagem, a Friboi e a Marfrig não se manifestaram sobre o assunto. Já o diretor de Sustentabilidade da BRF/Marfrig, Paulo Pianez, afirmou em evento que o tarifaço não afeta diretamente as operações da empresa no Brasil, mas gera um “desarranjo” nas relações comerciais e um cenário de “perde-perde” para todos os envolvidos.
Apesar do cenário desafiador, o setor demonstra resiliência. A busca por novos mercados e a adaptação à nova realidade indicam que, embora a carne esteja mais barata agora, o setor está longe de entrar em colapso. Ainda assim, a pressão nos preços deve continuar enquanto os volumes forem realocados e o mercado se reequilibra sem os Estados Unidos.
Por que os Estados Unidos precisam da carne brasileira? Entenda
A relação comercial entre Brasil e Estados Unidos no setor de carnes bovinas passou por uma transformação radical nos últimos anos. O que antes era uma participação quase irrelevante nas importações americanas tornou-se uma dependência estratégica. De janeiro a maio de 2025, o Brasil respondeu por impressionantes 26,6% de toda a carne bovina importada pelos Estados Unidos, segundo dados da Datagro Pecuária baseados em informações do Departamento de Agricultura norte-americano (USDA).
Essa ascensão é ainda mais marcante quando comparada aos números de 2020, quando a participação brasileira nas importações era de apenas 0,5%. Hoje, a carne nacional já representa 5,4% de toda a proteína bovina consumida internamente nos EUA. Mas qual é o corte que mais chama atenção dos americanos?
Os beef trimmings – pedaços remanescentes do processo de desossamento – são os principais produtos buscados pelo mercado norte-americano. “Essa categoria é a base do famoso ground beef, usado em hambúrgueres, carne moída e alimentos processados. Sem o Brasil, o mercado americano enfrentaria um gargalo importante”, explica João Figueiredo, analista da Datagro.
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A carne moída tem papel fundamental na dieta americana, representando cerca de metade do consumo per capita de carne bovina no país. No entanto, a produção local enfrenta sérias limitações. A escassez de fêmeas bovinas de menor padrão de qualidade – que são a base para a produção desses cortes – compromete diretamente a oferta interna.
“Os Estados Unidos vivenciaram dificuldades em torno dos custos de produção, muito acentuados ao longo dos últimos anos, com perda de margem dos pecuaristas e problemas com sucessão familiar, o que prejudicou significativamente o rebanho”, relembra Fernando Iglesias, do Safras & Mercado.
Segundo ele, apesar de os Estados Unidos terem condições técnicas de recompor seu rebanho e diminuir a dependência das importações, esse processo é longo e só poderá ser concluído no final desta década. Até lá, a necessidade de complementar o mercado interno com carne estrangeira permanece.
Os impactos do tarifaço
Com a carne brasileira ocupando posição estratégica na cadeia produtiva de alimentos processados americanos, o anúncio das novas medidas do presidente Donald Trump – que prevê uma tarifa adicional de 50% sobre produtos do Brasil – pode provocar consequências inesperadas: um aumento significativo nos preços para o consumidor final norte-americano.
“O setor mais afetado será o de alimentos processados, e o impacto no consumidor final pode ser expressivo, especialmente nos preços da carne moída e derivados”, analisa Figueiredo da Datagro.
Teoricamente, países como Austrália, Nova Zelândia, Argentina e Uruguai poderiam substituir o Brasil nesse fornecimento. No entanto, segundo Iglesias, nenhum deles possui a combinação ideal de escala, custo e competitividade que o Brasil oferece. “Além disso, ao atender à demanda americana, eles deixam de atender outros mercados, aumentando o leque de possibilidade brasileiro. Ou seja, pode acontecer um rearranjo desta corrente de comércio global”, explica o analista do Safras & Mercado.
O Brasil mantém a arroba bovina mais barata do mundo quando convertida em dólares, o que confere vantagem competitiva significativa. Além disso, a infraestrutura logística e a capacidade de produção em larga escala permitem que o país atenda demandas volumosas sem comprometer a qualidade.
Para o Brasil, o impacto de uma possível retração nas exportações aos EUA seria moderado. Atualmente, apenas 12,3% da carne bovina exportada pelo Brasil tem como destino os Estados Unidos. Números que, embora representativos, não colocam em risco a estabilidade do setor nacional.
Diante desse cenário, especialistas acreditam que o Brasil pode aproveitar a oportunidade para fortalecer sua presença em outros mercados estratégicos. Países como China, Egito, Filipinas, Irã e Rússia já demonstraram interesse em aumentar suas importações de carne brasileira, especialmente diante da redução de preços causada pela saída momentânea dos Estados Unidos.
“O Brasil tem mais alternativas de venda do que os EUA têm de compra”, resume o analista da Datagro, destacando que a dependência é assimétrica: enquanto os americanos precisam urgentemente da carne brasileira para manter seus preços acessíveis, o Brasil pode facilmente redirecionar sua produção para outros destinos.
Apesar da tensão comercial, o setor brasileiro de carnes demonstra resiliência e capacidade de adaptação. A longo prazo, essa crise pode se transformar em oportunidade para diversificar ainda mais o portfólio de exportações e reduzir a vulnerabilidade a decisões políticas de outros países.
O desafio agora é manter o equilíbrio entre oferta e demanda, evitando que o mercado interno seja sobrecarregado com produtos que perderam espaço no exterior, ao mesmo tempo em que se busca fortalecer parcerias comerciais com novos parceiros estratégicos.
Com informações de Globo Rural*
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