》’Uma família de traidores’: ultimato de Trump sobre tarifas no Brasil sai pela culatra para Bolsonaro – Expresso Noticias

Vamos ao assunto:

A tentativa do presidente dos EUA de ajudar seu aliado de direita a evitar a prisão gerou uma onda de raiva e deu impulso ao rival Lula

Silvana Marques foi uma dos milhares de brasileiros que lotaram o museu de arte mais famoso de São Paulo numa tarde da semana passada. Mas a professora de 51 anos não estava lá para se maravilhar com as paisagens londrinas enevoadas na nova retrospectiva de Monet do Masp. Ela veio para se juntar a um protesto que desprezou Donald Trump.

Sob a estrutura brutalista do museu, Marques avistou uma estátua de papelão do presidente dos EUA e tirou uma foto com o celular antes que o boneco de Trump fosse incendiado. “Laranjão safado”, escreveu ela abaixo da foto no Instagram. Perto dali, manifestantes içavam uma faixa vermelha com os dizeres: “Boa tentativa, Trump. Mas não temos medo”.

A manifestação foi uma resposta à decisão de Trump na semana passada de lançar uma guerra comercial politicamente motivada contra a maior economia da América do Sul, em uma tentativa de ajudar seu aliado de direita, o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, a evitar a prisão.

Bolsonaro pode pegar até 43 anos de prisão se for considerado culpado de planejar uma tentativa frustrada de golpe após perder a eleição presidencial de 2022. Ele deve ser condenado e sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal nas próximas semanas.

Em 9 de julho, Trump escreveu ao presidente de esquerda do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, para exigir que as acusações contra Bolsonaro fossem retiradas e anunciar que imporia tarifas de 50% sobre as importações brasileiras até que fossem retiradas. “[Esta] é uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”, bradou Trump, por muito tempo o mais importante apoiador internacional de Bolsonaro.

O presidente dos EUA aparentemente esperava que sua intervenção melhorasse as perspectivas de Bolsonaro, de 70 anos, que já está proibido de concorrer nas eleições do próximo ano. O filho senador de Bolsonaro, Flávio, instou o governo Lula a ceder imediatamente ao ultimato de Trump, oferecendo ao seu pai uma anistia contra a acusação. Flávio Bolsonaro comparou a situação do Brasil à do Japão no final da Segunda Guerra Mundial, quando os bombardeiros B-29 dos EUA o subjugaram. “Cabe a nós mostrar a responsabilidade de evitar que duas bombas atômicas caiam sobre o Brasil “, disse ele.

Donald Trump e Jair Bolsonaro em março de 2020. | Alan Santos/Presidência do Brasil/EPA

Mas uma semana após o anúncio de tarifas por Trump, a estratégia parece estar saindo pela culatra. A medida revigorou os rivais de esquerda de Bolsonaro, deu a Lula uma recuperação nas pesquisas e provocou uma onda de revolta pública, em grande parte focada no clã Bolsonaro, que passou anos se apresentando como nacionalistas defensores da bandeira.

“Jair Bolsonaro não dá a mínima para o Brasil. Ele é um falso patriota”, esbravejou o jornal conservador Estado de São Paulo na terça-feira, criticando duramente a aparente disposição do ex-presidente de entregar o país aos lobos se isso significasse salvar a própria pele.

O conselho editorial do jornal instruiu os conservadores a escolherem seu lado: “O do Brasil ou o do Bolsonaro. Os dois caminhos são diametralmente opostos.”

Eliane Cantanhêde, colunista do Estado de S. Paulo, viu três motivos por trás da “proposta indecente” de Trump. Ele esperava impulsionar companheiros de viagem de extrema direita na América do Sul; retaliar contra o envolvimento chinês na região após a recente cúpula do Brics no Rio; e fazer um favor pessoal ao filho de Bolsonaro, Eduardo, que passou os últimos meses fazendo lobby com autoridades em Washington após se exilar nos EUA.

Mas Cantanhêde acreditava que a atitude “megalomaníaca” de Trump tinha tido um efeito bumerangue, dando a Lula uma oportunidade de ouro para recuperar o apoio público em queda ao se passar por um defensor nacionalista dos produtores de café, laranjais, pecuaristas e fabricantes de aviões brasileiros diante da rendição antipatriótica e egoísta de Bolsonaro a Trump.

“Lula estava na corda bamba”, disse Cantanhêde, destacando a queda nos índices de aprovação do esquerdista e as crescentes dúvidas sobre sua capacidade de conquistar um quarto mandato no ano que vem. “Agora ele está só sorrisos.”

Ela disse que Pequim – o maior parceiro comercial do Brasil – também estaria comemorando, já que Washington está prejudicando ainda mais sua posição na região. “Trump está empurrando o mundo inteiro para o colo da China”, disse Cantanhêde.

Nicolás Saldías, analista de América Latina da Economist Intelligence Unit, concordou que a intercessão pró-Bolsonaro de Trump foi uma bênção para Lula, que passou a usar um boné azul com o slogan “O Brasil pertence aos brasileiros”.

Saldías, que é uruguaio-canadense, lembrou como as ameaças de Trump de anexar o Canadá prejudicaram sua recente eleição, ajudando o antes enfraquecido Partido Liberal de Mark Carney a se manter no poder. Ele suspeitava que a guerra comercial de Trump contra o Brasil teria um impacto semelhante de “união em torno da bandeira” para Lula – pelo menos no curto prazo.

“Para Lula, isso vai ser útil”, disse Saldías, observando como seus índices de aprovação já haviam subido e pareciam propensos a subir ainda mais. “Isso muda o jogo, porque agora ele será visto como o defensor do nacionalismo brasileiro, uma espécie de nacionalismo progressista.”

Depois de meses sonhando que Trump pudesse ajudar a salvar seu líder da prisão, os Bolsonaros parecem reconhecer que marcaram um gol contra. Uma fonte próxima à família do ex-presidente disse à Reuters: “A emoção de chamar a atenção de Trump logo se dissipou quando os Bolsonaros perceberam o peso esmagador das tarifas vinculadas à sua causa.”

Na terça-feira, Bolsonaro insistiu que se opunha às tarifas, que ele atribuiu à “provocação” de Lula aos EUA, e afirmou que poderia resolver pelo menos parte do problema se tivesse “liberdade para conversar com Trump”.

Silvana Marques, a professora que protestava, insistiu que as autoridades brasileiras não deveriam ceder às exigências “malucas” de Trump e deixar Bolsonaro impune. “Não podemos permitir que isso aconteça”, disse ela, lembrando as consequências terríveis de não processar os líderes militares por trás da ditadura brasileira de 1964-85.

Assim como muitos brasileiros, Marques não via com bons olhos como — na sua opinião — os Bolsonaros haviam encorajado Trump a travar uma guerra econômica contra seu próprio país.

“Eles são uma família de traidores”, disse ela. “E os americanos devem estar pensando: será que vamos mesmo ter que pagar 50% a mais pelas coisas que importamos do Brasil só para defender esse cavalo velho e desgastado?”

Publicado originalmente pelo The Guardian em 16/07/2025

Por Tom Phillips no Rio de Janeiro

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