》Apple veste a bandeira de Trump para escapar das tarifas – Expresso Noticias

Vamos ao assunto:

Gigante da tecnologia anuncia megaacordo de US$ 600 bilhões nos EUA com foco em produção local e tentativa de isenção de tarifas


Em um movimento estratégico que mistura diplomacia corporativa, alinhamento político e uma aposta agressiva na produção nacional, a Apple anunciou nesta quarta-feira (6) um ambicioso plano de expansão de seus investimentos nos Estados Unidos, elevando o compromisso total a US$ 600 bilhões ao longo dos próximos quatro anos. O anúncio, feito no Salão Oval da Casa Branca, colocou o CEO Tim Cook lado a lado com o presidente Donald Trump e o vice-presidente JD Vance, em um cenário cuidadosamente montado para transmitir uma mensagem clara: a Apple está “voltando para casa”.

O novo montante supera em US$ 100 bilhões a promessa anterior feita pela empresa após a reeleição de Trump, reforçando o esforço da gigante de tecnologia para se posicionar como uma das maiores impulsionadoras da indústria manufatureira americana. No centro desse plano está um investimento direto de US$ 2,5 bilhões na Corning Inc., fornecedora histórica de vidros especiais usados nos iPhones e Apple Watches. Pela primeira vez, todo o vidro de cobertura desses dispositivos será fabricado exclusivamente nos Estados Unidos, nas instalações da Corning no estado do Kentucky.

Leia também:
Exclusivo! Romário não assinará impeachment de Moraes
Sonho de uma Índia forte tropeça na ‘América em 1º lugar’ de Trump
Tesla derrapa na Europa enquanto BYD dispara

Até então, apesar de a Apple já destacar o uso de “vidro americano” em seus aparelhos, parte da produção ainda ocorria fora do país. Agora, com a ampliação da parceria, a fabricação será totalmente nacionalizada — um ganho simbólico e prático em um momento em que a pressão por produção local ganha força no cenário político.

“A Apple tem investido um pouco em outros países. Não direi quais, mas alguns. E eles estão voltando para casa”, afirmou Trump durante o evento, destacando o anúncio como “o maior investimento já feito por uma empresa nos Estados Unidos”. A frase, carregada de tom nacionalista, ecoou no ambiente político e foi recebida com aplausos.

Mas o plano da Apple vai além do vidro. A empresa lançou o que chamou de Programa de Manufatura Americana (AMP), uma iniciativa estruturada para fortalecer a cadeia de produção de semicondutores dentro do território norte-americano. O objetivo é claro: demonstrar ao governo que a empresa está alinhada com a agenda “Made in the USA” — e, assim, buscar isenções de tarifas que podem impactar seus produtos.

Entre os acordos anunciados, estão parcerias estratégicas com gigantes da indústria de chips. A Apple firmou um compromisso com a GlobalWafers Co. para a produção de wafers — as placas de silício que servem de base para chips — no Texas. Além disso, ampliou sua colaboração com a Texas Instruments, apoiando a fabricação de componentes eletrônicos em instalações no Utah e no Texas, que serão usados em iPhones e outros dispositivos vendidos globalmente.

Outro destaque é a parceria com a Samsung Electronics Co., que trabalhará em conjunto com a Apple para desenvolver novos chips no Texas, com foco em aumentar o desempenho e a eficiência energética dos próximos dispositivos. Ainda no setor de semicondutores, um acordo com a GlobalFoundries Inc. visa impulsionar a produção de tecnologias sem fio e componentes de gerenciamento de energia no estado de Nova York.

A Apple também se uniu à Applied Materials Inc., maior fabricante americana de equipamentos para produção de chips, para expandir a fabricação dessas máquinas em Austin, no Texas. Importante ressaltar que, nesse caso, a Apple não atuará como fabricante direta, mas sim como investidora e impulsionadora do ecossistema produtivo.

No Arizona, a empresa investirá em uma unidade operada pela Amkor Technology Inc., responsável por testar e embalar chips. O local processará silício fabricado pela Taiwan Semiconductor Manufacturing Co. (TSMC) em fábricas próximas nos EUA, reforçando a integração entre produção global e operações locais.

Apesar da grandiosidade dos anúncios, analistas observam que a Apple está, na prática, expandindo iniciativas já existentes — como a parceria com a Corning, que dura desde o lançamento do primeiro iPhone, em 2007. O que muda agora é a escala e o timing: o momento político é sensível, com o governo Trump pressionando por produção nacional e ameaçando tarifas sobre eletrônicos importados, especialmente aqueles montados na Índia, onde a Apple tem transferido parte de sua cadeia de montagem para o mercado norte-americano.

É nesse contexto que o anúncio ganha contornos de uma jogada defensiva. Ao demonstrar um compromisso tangível com a indústria dos EUA, a Apple busca se proteger de futuras taxações. E Trump deixou o recado claro: “A boa notícia para empresas como a Apple é que, se você estiver construindo nos Estados Unidos, ou se comprometeu a construir, não haverá cobrança.”

A cerimônia no Salão Oval teve até um toque simbólico digno de Hollywood. Em um gesto que mistura diplomacia e reverência ao estilo do presidente, Tim Cook presenteou Trump com uma placa circular de vidro Corning, gravada com o nome do presidente e montada em ouro 24 quilates. Segundo Cook, o vidro saiu diretamente de uma linha de produção no Kentucky, enquanto o ouro foi extraído e processado em Utah. A peça foi projetada por um ex-fuzileiro naval que hoje trabalha na Apple — um detalhe que não passou despercebido diante de um presidente que valoriza fortemente o simbolismo militar e nacional.

O gesto, carregado de significados, parece ter sido bem recebido. “Isso é ouro verdadeiro?”, perguntou Trump, examinando a placa com um sorriso. “É sim, senhor presidente”, respondeu Cook, com um leve sorriso.

No fim das contas, o que se viu foi mais do que um anúncio corporativo: foi um ato político. A Apple, conhecida por sua postura discreta em questões partidárias, está agora profundamente imersa no jogo de relações públicas com a administração Trump. E o preço da boa convivência pode ser alto — mas, para uma empresa que movimenta trilhões de dólares globalmente, US$ 600 bilhões em quatro anos podem ser um investimento estratégico bem calculado.

Enquanto isso, o mercado observa com atenção. Será que essa onda de “americanização” da produção vai se concretizar de fato? Ou será apenas um movimento tático para amenizar tarifas e ganhar tempo? O tempo dirá. Por enquanto, a Apple está dizendo, em alto e bom som: estamos apostando nos Estados Unidos. E o governo, por sua vez, parece estar ouvindo.

Apesar do tom otimista e das promessas de resgate da produção nacional, uma realidade persiste: os iPhones que chegam às mãos dos consumidores americanos ainda não são montados nos Estados Unidos. O processo complexo e intensivo em mão de obra — que envolve a integração de centenas de componentes, testes rigorosos, embalagem e logística — continuará sendo realizado principalmente na China, com crescente participação da Índia, onde a Apple tem ampliado suas operações de montagem para atender ao mercado norte-americano.

“Essa parte ficará ‘em outro lugar por um tempo’”, admitiu Tim Cook, sem esconder a dificuldade técnica e econômica de transferir toda a cadeia de montagem para o território americano. “Mas há muito conteúdo dos Estados Unidos, e estamos muito orgulhosos disso”, completou, destacando que, mesmo sem a montagem final, os dispositivos carregam em seu interior tecnologia desenvolvida e fabricada em solo americano — desde chips até sensores, software e design.

Trump, por sua vez, reconheceu que a estrutura de montagem global da Apple já está enraizada há décadas em outros países. “Foi instalada em outros lugares e está lá há muito tempo”, afirmou. No entanto, não escondeu sua ambição de longo prazo: trazer a produção inteira para casa. “Este é um passo significativo em direção ao objetivo final de garantir que os iPhones vendidos nos Estados Unidos da América também sejam fabricados na América”, disse, com o entusiasmo característico de quem vê em cada anúncio corporativo uma vitória da indústria nacional.

A promessa de isenção tarifária, no entanto, depende exatamente dessa demonstração de esforço. Espera-se que os investimentos anunciados pela Apple — mesmo que não incluam a montagem final dos smartphones — sejam suficientes para enquadrar a empresa nas novas regras do governo. A lógica é simples: se a empresa está colocando bilhões em fábricas americanas, desenvolvendo tecnologia local e trazendo componentes críticos de volta ao país, ela merece um tratamento diferenciado.

Mas o contexto econômico é delicado. As tarifas impostas por Trump já começaram a pesar no bolso da Apple. Na semana passada, a empresa revelou que as taxas cobradas sobre componentes e produtos importados devem custar cerca de US$ 1,1 bilhão apenas no trimestre encerrado em setembro. Um valor significativo, especialmente em um momento em que a empresa se prepara para o lançamento da linha iPhone 17, um dos maiores lançamentos do ano no setor de tecnologia.

Evitar novos encargos é, portanto, uma prioridade estratégica. E é aqui que o relacionamento com a Casa Branca se torna crucial — não apenas por questões comerciais, mas também por desafios regulatórios que podem ameaçar o modelo de negócios da Apple.

Cook, ao mesmo tempo que celebra parcerias com Corning e Texas Instruments, também busca respaldo político em outras frentes sensíveis. O Departamento de Justiça dos EUA está conduzindo um processo antitruste contra a empresa, questionando práticas como o controle da App Store e o sistema de pagamentos dentro dos aplicativos. Além disso, há uma ameaça direta ao acordo de US$ 20 bilhões com o Google — que garante ao buscador do gigante da tecnologia ser o padrão no Safari, o navegador da Apple. Se esse acordo for desfeito, o impacto financeiro seria imediato e severo.

Outro fronteiro é o internacional. Na União Europeia, a Apple enfrenta novas e rígidas regulamentações, como a Lei de Mercados Digitais (DMA), que obriga a empresa a abrir a App Store para concorrentes e permitir o download de aplicativos de fontes externas. Isso representa um risco à segurança do ecossistema iOS e à sua lucratividade. Um apoio diplomático ou político dos EUA poderia ajudar a Apple a negociar com Bruxelas de uma posição mais forte.

Dessa forma, o evento no Salão Oval vai além de um simples anúncio de investimento. É um movimento multifacetado: uma demonstração de lealdade à agenda econômica de Trump, uma tentativa de blindagem contra tarifas, um esforço de melhoria de imagem e, possivelmente, um chamado silencioso por proteção em meio a uma tempestade regulatória.

E não é a primeira vez que a Apple recorre a esse tipo de estratégia. Em 2019, durante o primeiro mandato de Trump, a empresa anunciou que começaria a montar o Mac Pro no Texas — uma decisão que, na prática, representava uma continuidade, já que o modelo anterior já era produzido no estado desde 2013. Mesmo assim, o gesto foi celebrado como um triunfo da indústria nacional e rendeu à Apple uma isenção de tarifas sobre componentes importados.

Agora, com o retorno de Trump ao poder, a história se repete — mas em escala muito maior. O compromisso inicial de US$ 500 bilhões, anunciado no início do ano, já havia sido um sinal de alinhamento. Na ocasião, a Apple revelou planos de fabricar servidores de inteligência artificial em Houston, marcando sua entrada mais profunda no setor de infraestrutura de dados.

Na quarta-feira, Cook reforçou esse compromisso: “As primeiras unidades de teste saíram da linha de montagem da fábrica no mês passado”, disse, referindo-se aos servidores de IA. “Continuaremos desenvolvendo tecnologias no centro dos nossos produtos aqui na América.”

A mensagem é clara: mesmo que o iPhone ainda não saia de uma linha de montagem em Ohio ou Michigan, a inovação que o move — os chips, os algoritmos, o design — está sendo cada vez mais construída dentro dos EUA. E é nesse território que a Apple está escolhendo batalhar.

No tabuleiro global da tecnologia, onde cadeias de suprimento cruzam continentes e decisões políticas podem mudar o rumo de bilhões, a Apple está jogando com inteligência. Está investindo onde pode, prometendo o que é possível e negociando o que é necessário.

E enquanto o mundo espera o primeiro iPhone realmente “feito na América”, a empresa já entendeu uma lição fundamental: às vezes, o mais importante não é onde o produto é montado, mas onde ele é imaginado, projetado e defendido.

Com informações de Bloomberg e Agências de Notícias*

www.expressonoticias.website