》Cidade conservadora nos EUA luta contra a imigração de um professor do ensino médio – Expresso Noticias

Vamos ao assunto:

Mesmo em meio a discursos duros sobre imigração, moradores de uma cidade americana se unem para defender um imigrante haitiano que virou símbolo de esperança local


Em um pequeno município do interior de Ohio, onde bandeiras americanas tremulam em postes de luz e o futebol americano do ensino médio reúne multidões aos sábados, uma história de solidariedade e resistência está desafiando os limites da política e do coração humano. Marc Rocher, um professor e tradutor haitiano de 32 anos, tornou-se peça fundamental na vida de uma família adotiva e na comunidade onde vive — mas agora seu futuro nos Estados Unidos está pendente, sob a sombra de uma possível deportação.

Tudo começou em 2023, quando Rocher deixou o Haiti após testemunhar o sequestro de um amigo próximo, um episódio que simbolizou o colapso de segurança em sua cidade natal. A violência de gangues em Porto Príncipe, a capital, atingiu níveis catastróficos desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021. Quatro anos depois, segundo dados da ONU, cerca de 90% da capital está sob controle de milícias, 1,3 milhão de pessoas estão desabrigadas e a fome ameaça grande parte da população. Diante desse cenário, Rocher viu nos Estados Unidos sua única chance de sobrevivência.

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Chegou por meio de um programa de liberdade condicional humanitária e recebeu o Status de Proteção Temporária (TPS), que lhe garantiu autorização de trabalho e proteção contra deportação. Instalou-se em Lima, uma cidade no noroeste de Ohio, onde a comunidade cresceu com a chegada de imigrantes haitianos atraídos por promessas de moradia e emprego. O rápido aumento populacional, no entanto, provocou pressão sobre os serviços locais, incluindo habitação e saúde.

Foi nesse contexto que Marc Rocher encontrou seu propósito. Voluntário na Igreja do Nazareno da Elm Street, ele chamou atenção por sua dedicação e habilidade de comunicação. Quando Andy e Amy Schafer, um casal com cinco filhos, adotaram dois irmãos haitianos — Francion, 13, e Jean Luckson, 11 — em maio de 2024, as dificuldades foram imediatas. As crianças, traumatizadas pelo que viveram no Haiti e enfrentando barreiras linguísticas, tinham dificuldades comportamentais e emocionais. A família, apesar do amor e do esforço, precisava de ajuda que falasse a mesma língua — não apenas literalmente, mas também emocionalmente.

Marc Rocher, natural do Haiti, mora em Ohio desde 2023 e agora enfrenta a possibilidade de ser deportado pelo governo Trump. A comunidade está se unindo para apoiar os esforços para mantê-lo nos Estados Unidos. Cydni Elledge para a NBC News
Francion, 13, e Jean Luckson, 11, que foram adotados recentemente do Haiti, desenvolveram uma forte conexão com Rocher / Foto: Cydni Elledge para a NBC News

Foi então que o pastor Jonathan Burkey apresentou os Schafers a Rocher. “Marc não tinha ideia de quem éramos, mas largou tudo e veio”, conta Andy Schafer, professor em Columbus Grove. “Foi um divisor de águas.” Rocher passou a atuar como tradutor, mentor e confidente. Ele ajudou os meninos a se comunicarem, a entenderem as regras da escola, a expressarem seus medos e, pouco a pouco, a reconstruírem a confiança no mundo.

A escola de Columbus Grove, percebendo a importância do trabalho dele, contratou Rocher como tutor. “Marc foi uma dádiva de Deus, tanto para a escola quanto para os dois meninos Schafer”, afirmou Nick Verhoff, superintendente do distrito. Durante o ano letivo, ele divide seu tempo entre as aulas matinais com os irmãos, ensinando matemática e leitura em inglês, e as tardes no distrito de Lima, onde atua como professor particular, ajudando outros alunos haitianos a se integrarem.

Mas, em junho deste ano, uma decisão do governo Trump ameaçou abalar esse equilíbrio frágil. Em 27 de junho, foi anunciado o fim do TPS para haitianos, com data de encerramento marcada para 2 de setembro. A notícia gerou pânico entre milhares de imigrantes, incluindo Rocher, que viu seu futuro desmoronar. “Fiquei em choque”, disse ele em uma voz calma, mas carregada de angústia, durante um encontro na igreja onde agora é figura conhecida. “Não posso voltar. Não há segurança, não há futuro.”

Por sorte, dias depois, um tribunal federal em Nova York suspendeu a medida, permitindo que o TPS continue até 3 de fevereiro de 2026. Embora seja um alívio temporário, a incerteza permanece. E é nesse vácuo de insegurança que a comunidade tem se movimentado.

O que torna essa história ainda mais surpreendente é o cenário político em que se desenrola. O Condado de Putnam, onde fica Columbus Grove, é um reduto conservador: 83% dos eleitores votaram em Trump nas eleições presidenciais de 2024. Em um ambiente onde discursos rígidos sobre imigração são comuns, a presença de Rocher — um homem negro, falante de crioulo, protegido por políticas humanitárias — poderia facilmente ser vista com desconfiança. Mas o oposto aconteceu.

Moradores que antes tinham opiniões firmes sobre imigração começaram a questionar suas convicções ao verem o impacto positivo de Rocher. Ele não é apenas um professor: é o voluntário que organiza eventos na igreja, o tradutor que ajuda famílias haitianas a acessarem serviços médicos, o mentor que passa horas a mais com alunos em dificuldade. “Ele é parte da nossa comunidade”, diz uma moradora, que pediu para não ser identificada. “Como podemos pedir que alguém vá embora depois de tudo o que fez?”

Marc Rocher, natural do Haiti, mora em Ohio desde 2023 e agora enfrenta a possibilidade de ser deportado pelo governo Trump. A comunidade está se unindo para apoiar os esforços para mantê-lo nos Estados Unidos. Cydni Elledge para a NBC News
O pastor Jonathan Burkey da Igreja do Nazareno de Elm Street também é um defensor de Rocher / Cydni Elledge para a NBC News

Andy Schafer, que também é professor, afirma que a presença de Rocher foi essencial não só para seus filhos, mas para o distrito escolar como um todo. “Estamos em uma região com escassez de professores, especialmente para alunos com necessidades especiais ou barreiras linguísticas. Marc preenche um vazio que nem sabíamos que existia.”

Agora, pais, alunos, líderes religiosos e educadores se unem em uma campanha silenciosa, mas determinada, para garantir que Rocher possa permanecer. Petições estão sendo circuladas, cartas sendo enviadas a representantes do governo e histórias sendo compartilhadas nas redes sociais. O objetivo é claro: impedir que uma pessoa que se tornou indispensável seja arrancada de um lugar que, para ele, já é lar.

“Eu não vim aqui para tirar nada”, disse Rocher, olhando para o chão durante a conversa na igreja. “Vim para construir. Para ajudar. Para viver em paz.” Ele faz uma pausa. “E agora, depois de tudo, tenho medo de perder isso.”

Enquanto o relógio corre em direção a fevereiro de 2026, a comunidade de Putnam enfrenta um dilema: seguir cegamente as políticas de um governo ou ouvir a voz da humanidade que cresce entre eles. No meio disso tudo, Marc Rocher espera — e continua ensinando, traduzindo, ajudando — como se cada dia fosse uma pequena vitória contra o medo.

A história de Marc Rocher, que já havia tocado corações em Columbus Grove, começou a se espalhar como uma chama silenciosa, alimentada por gestos simples, mas profundos, de empatia e ação. Muitos só tomaram conhecimento do seu caso por meio dos Schafers, uma família que não esconde a gratidão pelo papel transformador que ele desempenhou na vida dos filhos adotivos. Andy Schafer, professor e pai adotivo de Francion e Jean Luckson, passou a falar abertamente sobre como Rocher foi essencial para a estabilidade emocional e educacional das crianças. Quando o futuro do professor haitiano ficou ameaçado com o anúncio de encerramento do TPS — mesmo que temporariamente suspenso por decisão judicial — o clima na pequena cidade mudou. “Quando você realmente dá a cara a uma situação, é muito diferente de ouvir no noticiário”, disse Andy. “As pessoas começaram a ver Marc não como um imigrante qualquer, mas como alguém que faz parte da nossa rotina, da nossa escola, da nossa igreja.”

Foi exatamente esse sentimento que impulsionou a ação de Katie Schumacher, aluna do último ano na Columbus Grove High School. Ao saber da história de Rocher durante uma aula de governo, ela não se conteve. “Foi perturbador e confuso”, admitiu à NBC News. “Ele estava fazendo um ótimo trabalho com os garotos — fazia todo o sentido que ele ficasse.” Juntamente com colegas, Katie escreveu uma carta formal à secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, defendendo a permanência de Rocher nos Estados Unidos. A tarefa escolar, que poderia ter sido apenas mais um exercício burocrático, tornou-se um ato de cidadania consciente, impulsionado pela convicção de que justiça muitas vezes começa com uma voz levantada no lugar certo.

Marc Rocher, natural do Haiti, mora em Ohio desde 2023 e agora enfrenta a possibilidade de ser deportado pelo governo Trump. A comunidade está se unindo para apoiar os esforços para mantê-lo nos Estados Unidos. Cydni Elledge para a NBC News
Francion, 13 anos, luta de polegar com Rocher e Andy Schafer / Cydni Elledge para a NBC News

Professores também se mobilizaram. Alguns escreveram diretamente aos senadores republicanos do estado, pedindo que reconsiderassem a postura rígida em relação ao TPS dos haitianos. Para muitos educadores, a ameaça de deportação de Rocher não era apenas uma questão legal, mas humanitária e prática: ele é uma ponte linguística e emocional em uma região onde poucos falam crioulo haitiano. “Os serviços do Marc são muito necessários”, reforçou Nick Verhoff, superintendente das Escolas Columbus Grove. “E estamos explorando todas as vias legais para mantê-lo aqui.”

Nesse sentido, o distrito escolar já está em conversas com advogados de imigração para patrocinar Rocher em um visto H1-B, voltado a profissionais especializados — uma possibilidade rara em áreas rurais, mas viável dada a escassez de professores bilíngues. “A ideia é que ele possa atuar em mais de um distrito, ampliando seu impacto”, explicou Verhoff. “Mas, acima de tudo, queremos garantir que ele não seja forçado a deixar um lugar onde é amado e necessário.”

O crescimento da comunidade haitiana no noroeste de Ohio não é mais um fenômeno isolado. Segundo dados da Connecting Borders, organização sem fins lucrativos fundada em 2024 para apoiar imigrantes, o número de haitianos na região saltou de “um punhado” para milhares em poucos anos. “O aumento foi significativo e rápido”, disse Katie Sielschott, diretora de desenvolvimento da entidade. “E está diretamente ligado ao envelhecimento da força de trabalho local e ao aumento de investimentos em indústrias da região. Os empregadores com quem trabalhamos entendem o valor que esses trabalhadores trazem.”

Esse valor, no entanto, ainda é ignorado ou distorcido por parte da população. No início deste ano, uma publicação no Facebook da igreja anunciando tradução simultânea em crioulo haitiano durante os cultos foi recebida com hostilidade por alguns. Um comentário — já apagado, mas ainda lembrado com tristeza — dizia: “Não entendo por que vocês estão atendendo a essas pessoas. São todos ilegais e deveriam ser deportados.”

O pastor Jonathan Burkey, que tem liderado os esforços de acolhimento na Igreja do Nazareno da Elm Street, reconhece que esse tipo de reação ainda existe. “Não representa a maioria, mas mostra que há resistência. E é contra isso que precisamos trabalhar com paciência e fé.” Para ele, o santuário não é apenas um conceito religioso, mas um compromisso ético. “Acredito que o santuário é realmente um valor importante. E, mesmo diante do medo e da incerteza, continuaremos acolhendo.”

Marc Rocher, natural do Haiti, mora em Ohio desde 2023 e agora enfrenta a possibilidade de ser deportado pelo governo Trump. A comunidade está se unindo para apoiar os esforços para mantê-lo nos Estados Unidos. Cydni Elledge para a NBC News
Rocher é líder de acampamento na Igreja do Nazareno de Elm Street, frequentada por Jean Luckson / Cydni Elledge para a NBC News

O medo, aliás, tem sido um companheiro constante nos últimos meses. Burkey relatou que a frequência da congregação haitiana caiu consideravelmente. “Muitos estão desanimados, exaustos. Sentem-se como se estivessem vivendo em um limbo, esperando o martelo cair.” Apesar disso, pequenos gestos de integração têm florescido. Famílias haitianas têm preparado jantares comunitários, compartilhando pratos típicos como diri ak djon — arroz com feijão — com membros da igreja local. “Você tem todos esses republicanos convictos festejando à mesa dos haitianos, tipo, esse é o reino de Deus”, brinca Burkey. “E é isso que muda o coração das pessoas. Não são discursos. É comida, riso, história compartilhada.”

Para o superintendente Verhoff, o impacto de Rocher vai além da sala de aula. “Acho que as pessoas veem Marc como ele é: um homem trabalhador, dedicado, que se importa com as crianças e com a comunidade. Minha esperança é que isso abra os olhos das pessoas que, infelizmente, podem simplesmente seguir cegamente a verborragia dos líderes políticos só porque eles têm um ‘R’ antes do nome. E, em vez disso, fazer um julgamento por conta própria, com base nos méritos.”

O cenário político, no entanto, continua tenso. Na semana passada, o governador republicano Mike DeWine, durante visita a Springfield — outra cidade do estado marcada pela presença haitiana — alertou para as consequências econômicas do fim do TPS. “Se milhares de trabalhadores forem deportados, não será bom para ninguém — nem para os empregadores, nem para a economia local”, afirmou. “Estamos nos preparando para possíveis demissões em massa.”

Enquanto isso, Marc Rocher segue seu caminho com humildade e resiliência. Nas férias escolares, ele continua ativo: trabalha no banco de alimentos local, ajudando a preparar refeições para moradores de rua, e colabora com a igreja em projetos comunitários. Em poucas semanas, o novo ano letivo começa — e ele espera poder voltar às salas de aula, aos meninos que chama de “meus irmãos mais novos”, à rotina que, mesmo incerta, é a única que ele conhece como lar.

“Somos todos pessoas”, reflete Rocher, com um olhar sereno. “E se você simplesmente deixar de lado suas diferenças — políticas e culturais — e conhecer pessoas e viver entre elas, tudo é possível. Sinto que muito disso ajudou a mudar a dinâmica das pessoas; muitas delas querem ajudar. Muitas delas querem que a comunidade haitiana continue entre elas, o que é bom.”

Num país onde a imigração tantas vezes é reduzida a números e políticas, a história de Marc Rocher lembra que, por trás de cada documento, há uma vida. E por trás de cada vida, há um desejo simples: o de pertencer.

Jamil Chade: Perseguição de Trump aos imigrantes é plano global da extrema direita

Em um reduto conservador de Ohio, um professor haitiano transformou vidas, mas agora enfrenta o risco de deportação em meio a tensões políticas e humanitárias.
Em apenas três meses do governo Trump neste ano, mais de 142 mil imigrantes foram deportados / Reprodução

Enquanto Marc Rocher continua seu dia a dia entre aulas, traduções e refeições servidas no banco de alimentos, a realidade que ele enfrenta nos Estados Unidos é apenas um fragmento de um fenômeno muito maior — um movimento que vai além das fronteiras de Ohio e se estende por todo o país, impulsionado por uma agenda política que transformou a imigração em arma de guerra cultural. É esse cenário sombrio que o jornalista Jamil Chade desvenda em seu novo livro, “Tomara que você seja deportado: uma viagem pela distopia americana”, lançado neste ano como um alerta urgente sobre o declínio da democracia estadunidense.

O título, carregado de dor e ironia, nasceu de um episódio que poderia parecer banal, mas que revela o alcance tóxico do discurso anti-imigrante: o filho de Chade, então com 10 anos, foi alvo de uma ameaça em pleno pátio de escola em Nova York. “Tomara que você seja deportado”, disse outro aluno durante uma brincadeira de futebol. A frase, fora de contexto para uma criança, ecoava um clima de medo e hostilidade que já havia invadido salas de aula, lares e instituições. “Uma criança de 10 anos não tem no seu vocabulário a palavra ‘deportado’ por acaso”, diz Chade. “Aquilo é um espelho de como uma crise existencial do país chegou ao pátio da escola.”

Para Chade, que viveu nos Estados Unidos nos últimos anos, o endurecimento das políticas migratórias sob o governo Donald Trump não é um desvio passageiro, mas parte de um plano articulado por setores da extrema direita para reestruturar a sociedade americana. “Eles têm planos, muito dinheiro e um objetivo ambicioso de refundar as regras da sociedade”, afirma. “É muito sério o que está acontecendo para a gente tratar como meme.”

Em apenas três meses do governo Trump neste ano, mais de 142 mil imigrantes foram deportados — um número que, segundo relatos, inclui não apenas pessoas sem documentos, mas também críticos do governo, ativistas e até indivíduos que buscavam regularizar sua situação em escritórios oficiais de imigração. Há registros de prisões em hospitais, tribunais e até nas esquinas de igrejas durante os cultos dominicais. “É uma estratégia de instauração do terror”, explica Chade. “Quando você cria medo constante, fecha todas as portas e desumaniza o outro, muitos acabam optando pela ‘auto-deportação’ — simplesmente porque não suportam mais viver na angústia.”

Esse clima de perseguição, segundo o jornalista, não atinge apenas os imigrantes irregulares. Mesmo quem tem visto regular, como sua própria família, sente o peso do ódio disseminado. “Todo mundo, no fundo, foi afetado”, diz. “Você não sabe quem será o próximo. E isso transforma a vida de milhares em uma permanente ansiedade.”

O muro físico na fronteira com o México, simbolicamente erguido como promessa de campanha, é apenas uma parte visível do que Chade chama de “muro invisível” sendo construído em todo o território americano — feito de retórica, vigilância tecnológica e criminalização do diferente. “Fui ao muro, percorri centenas de quilômetros, e quando voltei para Nova York, entendi que o verdadeiro muro está sendo construído dentro das cidades, nas escolas, nas igrejas, nas mentes das pessoas.”

A desumanização do imigrante, diz ele, é o primeiro passo para justificar expulsões, prisões e violências. “É uma violência à existência do país, da sociedade. Não é só um bairro, não é só uma rua. É um ataque à própria ideia de convivência.”

No Brasil, onde Chade é conhecido por sua cobertura internacional, o paralelo é inevitável. Em um momento em que discursos de ódio ganham força em várias partes do mundo — como na Espanha, onde houve o que ele chama de “caçada” a imigrantes norte-africanos —, a experiência americana serve como um alerta. “Walter Salles escreveu no prefácio do meu livro que ele é um sinal de perigo. E é mesmo. As democracias não caem com tanques derrubando portas. Elas são desmontadas por dentro, usando as próprias regras contra elas mesmas.”

Chade destaca ainda a fragilidade da resistência nos EUA. Apesar da atuação ágil de grupos de advogados e organizações jurídicas que recorrem à Justiça para barrar deportações, a mobilização social ainda é tímida. “Não vejo ainda as ruas cheias, como veríamos na Europa diante de uma ameaça semelhante. O Partido Democrata está em crise, sem liderança clara. E muitos americanos ainda não sentem que a democracia está em risco — talvez porque, por enquanto, o bolso da classe média não foi diretamente atingido.”

Mas o perigo, segundo ele, está justamente nessa normalização. “O autoritarismo que está sendo exportado dos EUA não é apenas político. É econômico, tecnológico, militar. É um modelo eficiente, com o maior mercado consumidor do mundo, bombas atômicas e um poder bélico sem precedentes. Quando isso se combina com um projeto de desmantelamento da democracia, o mundo inteiro precisa prestar atenção.”

É nesse contexto que histórias como a de Marc Rocher ganham ainda mais significado. Ele não é apenas um professor haitiano em risco de deportação. É um símbolo do que pode acontecer quando a política se alimenta do medo e da exclusão — e do que pode resistir quando comunidades decidem olhar além das diferenças.

Na pequena Columbus Grove, onde republicanos convictos agora dividem mesa com imigrantes haitianos, onde alunos escrevem cartas para secretários de Estado e professores se mobilizam por um colega, há um sinal de esperança. “As instituições não se defendem sozinhas”, diz Chade. “Somos nós que temos que assumir essa tarefa. Uma biblioteca, uma escola, uma igreja, uma associação de bairro — cada um pode defender uma peça da democracia.”

Enquanto Marc espera o julgamento do seu futuro, com cautela e fé, a lição é clara: em tempos de distopia, o gesto mais revolucionário pode ser simplesmente dizer: “Você pertence aqui.”

Com informações da CNBC e Agências de Notícias*

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