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Cristiano Ronaldo, Benzema e mais: O que a Arábia Saudita planeja com o investimento em estrelas do futebol?

Com contratações de impacto, príncipe herdeiro Mohammed bin Salman busca colocar país do Oriente Médio em evidência mundial, seja dentro de campo ou fora das quatro linhas

AFP PHOTO / SAUDI ROYAL PALACE / BANDAR AL-JALOUD
Mohammed bin Salman é o príncipe da Arábia Saudita

A Arábia Saudita está investindo pesado para se transformar em um novo polo do futebol mundial. Em janeiro deste ano, o Al Nassr surpreendeu ao contratar o português Cristiano Ronaldo, vencedor do Fifa The Best em cinco oportunidades e apontado como um dos melhores jogadores de todos os tempos. Já nesta janela de transferências, o Al Ittihad anunciou o atacante Karim Benzema, atual ganhador da Bola de Ouro, como novo reforço. Além disso, o clube se aproximou de N’Golo Kanté, campeão do mundo com a França e com o Chelsea. Segundo a imprensa europeia, o argentino Lionel Messi também recebeu uma proposta do Al Hilal para receber 300 milhões de euros (R$ 1,5 bilhão) por ano, mas preferiu migrar para o Inter Miami (EUA). Fora os craques citados, Ángel Di María e Álvaro Morata estão sendo especulados no país do Oriente Médio, assim como os treinadores José Mourinho (Roma), Tite (ex-seleção brasileira) e até Luís Castro (Botafogo). Todo este movimento não é uma iniciativa isolada e faz parte de um plano do governo saudita, liderado por Mohammed bin Salman — o príncipe herdeiro libera as verbas aos times através do Ministério do Esporte. A ideia é usar a popularidade do esporte mais famoso do planeta para alterar a imagem da Arábia Saudita no cenário internacional e fazer mais negócios no exterior.

Neste sentido, o fortalecimento da Liga Saudita é uma das frentes do governo. Em outubro de 2021, um consórcio financiado pelo governo árabe comprou 80% das ações do Newcastle, da Inglaterra, por 300 milhões de libras (na cotação da época, cerca de R$ 2,2 bilhões). Tetracampeão inglês, o clube amargava momentos difíceis desde a década de 1980, mas rapidamente se reergueu com os novos donos e já garantiu vaga para a próxima Liga dos Campeões, a principal competição da Europa. No Brasil, o Mudabala Capital, também financiado pelos sauditas, está em conversas com os clubes da Liga do Futebol Brasileiro (Libra) para participar da organização do Brasileirão e deter parte dos direitos de transmissão do campeonato. Ao todo, o grupo deseja desembolsar R$ 4,75 bilhões num acordo válido por cinco décadas. O plano mais ambicioso, porém, é inspirado no Catar, país que sediou a última Copa do Mundo, disputada no ano passado e vencida pela Argentina. De acordo com o próprio presidente da Confederação Asiática de Futebol, a Arábia Saudita “está chegando com força” para receber o principal torneio de seleções. “Acho que a Arábia Saudita é um país capaz de organizar um torneio semelhante”, disse Sheikh Salman, que é do Bahrein. “Mas temos que escolher o momento certo: 2030 ou 2034? Se nossa chance de sediar o torneio é melhor em 2034, estamos analisando isso, e se nossas condições em 2030 forem melhores, por que não?”. Atualmente, Portugal, Espanha e Marrocos formam uma candidatura para o Mundial de 2030, enquanto Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai se uniram para fazer concorrência. A edição de 2026 já está marcada para ocorrer nos Estados Unidos, México e Canadá.

A técnica de utilizar o futebol para fins políticos, conhecida como “Sportwashing”, não é exatamente uma novidade. Além do Catar, dono do Paris Saint-Germain, alguns regimes do passado também já utilizaram esta tática. Os ditadores Adolf Hitler (Alemanha) e Benito Mussolini (Itália), por exemplo, adotaram a estratégia entre as décadas de 1930 e 1940. No caso da Arábia Saudita, o governo é criticado internacionalmente pela violação de direitos humanos, com a perseguição de mulheres e membros da comunidade LGBTQIA+. Além disso, um documento feito por autoridades estadunidenses afirma que Mohammed bin Salman foi mandante da morte do jornalista Jamal Khashoggi, um ferrenho opositor do governo árabe, em 2018. O príncipe herdeiro, entretanto, nega qualquer envolvimento no assassinato. Ao mesmo tempo em que anseia alterar esta imagem negativa, a Arábia Saudita visa ampliar seus negócios mundo afora. Nos últimos meses, o governo passou a descentralizar suas relações exteriores com os Estados Unidos, promovendo uma aproximação com Rússia, China e os Brics. O objetivo é ter mais influência no contexto global para “dar as cartas” em decisões importantes.

Projeto pode ‘flopar’

Na década passada, vale lembrar, a China promoveu a mesma iniciativa e desembolsou uma alta quantia para ter jogadores badalados em seu futebol, como Carlos Tévez, Oscar, Fábio Cannavaro, entre outros. O plano, entretanto, naufragou com a falta de interesse dos atletas mais importantes, que ficaram receosos de uma evidente perda de visibilidade. Com o passar do tempo, os chineses também diminuíram o investimento no esporte. A princípio, segundo informações dos jornalistas Tariq Panja e Ahmed Al Omran, do “New York Times”, a intenção do projeto saudita é viabilizar até US$ 1 bilhão para contratar e remunerar ao menos 20 jogadores de primeiro escalão. Desta forma, resta saber se o plano da Arábia Saudita em utilizar o futebol nesta grande empreitada terá sucesso a longo prazo.